Não sobrou nada’: Maceió carrega as cicatrizes ambientais da mineração de sal

0
137

Colapso de mina de sal-gema é ponta do iceberg de décadas de negligência ambiental. Uma CPI investiga o caso

Em 1976, uma sombra se erguia na paradisíaca costa de Maceió, em Alagoas: a chegada de uma fábrica para produzir PVC, material usado na fabricação de produtos plásticos.

Aberta pela Salgema Indústria Química S/A, a fábrica construída no bairro do Pontal da Barra – um trecho entre a laguna Mundaú e o mar – era estratégico, devido à abundância em seu subsolo de sal-gema, mineral fundamental para a produção do PVC.

Porém, quase cinco décadas depois, a área se tornaria palco de uma das maiores tragédias socioambientais do Brasil: a extração de sal-gema causou o afundamento do solo em áreas residenciais, provocando o deslocamento de 60 mil pessoas de cinco bairros pelo risco de desabamento de imóveis a partir de 2018. Em dezembro de 2023, o rompimento da Mina 18, às margens da laguna, trouxe ainda mais impactos às suas águas e entorno.

mineral fundamental para a produção do PVC. 

Porém, quase cinco décadas depois, a área se tornaria palco de uma das maiores tragédias socioambientais do Brasil: a extração de sal-gema causou o afundamento do solo em áreas residenciais, provocando o deslocamento de 60 mil pessoas de cinco bairros pelo risco de desabamento de imóveis a partir de 2018. Em dezembro de 2023, o rompimento da Mina 18, às margens da laguna, trouxe ainda mais impactos às suas águas e entorno.

Nos manguezais, aves costeiras como garças, maçaricos e colhereiros, encontravam habitat. Além disso, caranguejos, siris e peixes dependiam desse ecossistema para se alimentar e reproduzir. Com a instalação da fábrica, a região tornou-se hostil para todas essas formas de vida. 

“O que sobrou do que tinha antes? Nada”, completou Marques.

Negligência da empresa

A Salgema surgiu em 1970 de uma parceria do Banco

Nacional do Desenvolvimento, o BNDES, com um empresário baiano e a Dupont, gigante química norte-americana. Mais tarde, a Petroquisa, subsidiária da estatal de petróleo Petrobras, assumiria a maior parte das ações.

Em meio à ditadura militar no Brasil, marcada pela propaganda do “milagre econômico”, a instalação da fábrica era promovida como um incentivo à economia local, lembra Marques, que na época ocupava um cargo na área ambiental do governo de Alagoas. 

Além das reservas minerais, o local gerou interesse comercial pela facilidade de exportar sua produção a partir da infraestrutura portuária de Maceió e de acesso à água para uso no processo industrial.

Nacional do Desenvolvimento, o BNDES, com um empresário baiano e a Dupont, gigante química norte-americana. Mais tarde, a Petroquisa, subsidiária da estatal de petróleo Petrobras, assumiria a maior parte das ações.

Em meio à ditadura militar no Brasil, marcada pela propaganda do “milagre econômico”, a instalação da fábrica era promovida como um incentivo à economia local, lembra Marques, que na época ocupava um cargo na área ambiental do governo de Alagoas. 

Além das reservas minerais, o local gerou interesse comercial pela facilidade de exportar sua produção a partir da infraestrutura portuária de Maceió e de acesso à água para uso no processo industrial.

ela usava caixa dois para pagar propina a políticos que pudessem celebrar contratos com a Petrobras – não relacionados à mineração de Maceió.

Impactos visíveis da mineração

Com o afundamento do solo já visível em 2018, a Braskem encerrou a extração de sal-gema no ano seguinte. Em 2020, ela assinou dois acordos com os ministérios públicos federal e estadual, comprometendo-se a reparar, mitigar e compensar potenciais danos socioambientais e urbanísticos de suas atividades.

Como resultado dos acordos, a empresa contratou uma consultoria para avaliar os impactos da extração de sal-gema. No documento, foram constatadas a perda de vegetação e a redução da população de animais, assoreamento da laguna e salinização de aquíferos.

Verônica Antunes, professora da Universidade Federal de Alagoas que acompanha o processo de mineração de sal-gema na região, afirma que 15 hectares de manguezais e restingas foram destruídos.

Antunes diz que a Braskem desconsiderou o impacto na área construída e em seu entorno e que as medidas de reparação propostas pela empresa não foram suficientes para recuperar a região. “Por mais que o agente causador [Braskem] tente repará-lo, a indenização não será suficiente para restabelecer a qualidade e as condições anteriores”, disse.

Em nota ao Diálogo Chino, a Braskem informou que foi concluído 70% do plano de fechamento das minas e que o trabalho será finalizado até meados de 2025. Em seu site, a empresa também listou medidas compensatórias que foram adotadas ou estão em andamento, como a criação de uma rede de monitoramento do uso sustentável da água e investimentos em projetos de plantio de mangue para a proteção de espécies locais. 

Mas apesar das ações, pescadores e marisqueiras reclamam principalmente da falta do molusco sururu na região. Segundo a professora da Universidade Federal de Alagoas, Natallya Levino, o sururu é crucial para a subsistência dos moradores da laguna

Mundaú, além de ajudar a purificar a água e, por isso, servir como um indicador da saúde do ecossistema aquático. 

“Essa redução pode afetar toda a comunidade, já que aqueles que dependem do sururu têm vulnerabilidade financeira”, ressaltou Levino, que estuda os impactos do desastre ambiental em Maceió. 

Neirevane Nunes é bióloga e membro do Movimento Unificado de Vítimas da Braskem. Ela morou por 40 anos em Bebedouro, um dos bairros de Maceió afetados pelas rachaduras, até ser retirada do local em 2021: “Recebemos uma indenização irrisória da Braskem depois de três anos lutando com o MPF por uma avaliação justa”.

Além de vítima do acidente, a bióloga também monitora a saúde ambiental da laguna. Embora faltem dados conclusivos, ela diz que o aumento da salinidade provocado pelo colapso da mina pode levar à desidratação do sururu, comprometendo sua sobrevivência. 

“Além desse estresse fisiológico para o sururu conseguir se adaptar às alterações de salinidade, ele tem que enfrentar outros desafios como a poluição e contaminação histórica da laguna Mundaú”, acrescenta ela.

Suas margens também sofreram com a ocupação urbana, às vezes irregular, com a falta de saneamento e outras atividades econômicas, como o cultivo de cana-de-açúcar e a operação de frigoríficos. 

Além disso, o ácido clorídrico, um subproduto no processo de produção de PVC, e várias outras substâncias, acabaram despejadas em suas águas ao longo de anos, segundo José Geraldo Marques. No entanto, ele e outros especialistas dizem faltar estudos dos danos dessa contaminação.

Em resposta ao Diálogo Chino, a Braskem garantiu que atende a todos os requisitos de licenciamento desde a sua instalação, mas ignorou perguntas sobre a contaminação, incluindo se a empresa despejou resíduos nas águas.

Pescar ou ‘morrer de barriga vazia’

Mauro Pedro dos Santos, de 53 anos, cresceu ajudando seu pai na pesca desde os 3 anos de idade e hoje é presidente da Colônia dos Pescadores do Bebedouro, localizada às margens da laguna – uma

área hoje desocupada. Ele lembra com saudade os dias em que a região era adornada por manguezais imponentes. “Tinha uma espécie de mangue, conhecido como siriba, que chegava a 30 metros de altura”, conta.

Naquela época, uma variedade de espécies de caranguejos e peixes, incluindo a moreia, abundavam na região. “Quando chovia, os caranguejos saíam dos buracos, e nós os pegávamos. Uns vendiam, outros comiam”, conta Santos.

Apesar de reconhecer que diversos fatores contribuíram para o declínio de espécies, o pescador não isenta a Braskem de responsabilidade. Nos últimos 15 anos, os impactos tornaram-se mais evidentes, com os manguezais diminuindo e o solo cedendo pela mineração de sal-gema. 

“Chegou ao ponto em que locais onde costumávamos colher caranguejos e caminhar entre os manguezais agora têm cinco a seis metros de profundidade. O manguezal praticamente desapareceu”, lamenta.

Enquanto aguardam a indenização prometida pela empresa, numa única parcela de apenas três salários mínimos – ou R$ 4.236 –, muitos pescadores desrespeitam a proibição de pesca e navegação próxima à mina 18, ao lado de Bebedouro, que colapsou em dezembro.

“As contas foram chegando, o dinheiro não entrava, e Os pescadores preferiam ir pescar e garantir o sustento do que morrer de barriga vazia”, disse Santos.

Em 22 de fevereiro, autoridades locais reduziram a área proibida à pesca na laguna, declarando que o risco de um novo desastre havia sido controlado. Mas o pescador está cético com a nova diretriz, uma vez que os impactos ao local foram por décadas ignorados.

Segundo ele, a regra vai de encontro com a estratégia da Braskem, que defende que apenas uma área seja interditada, como forma de reduzir a compensação aos pescadores. Pelos cálculos de Santos, 1,8 mil pescadores deveriam ser indenizados por perderem sua fonte de sustento. A Braskem não comentou a situação dos pescadores. 

“Eles apenas diminuíram a área afetada para dar a impressão de que não há riscos para os pescadores”, disse Santos. “Se houver mais afundamentos e pessoas morrerem, será mais barato para a empresa indenizar as famílias de cinco ou seis pessoas do que compensar todos os pescadores que perderam sua fonte de sustento”.

DEIXE UMA RESPOSTA

Por favor digite seu comentário!
Por favor, digite seu nome aqui