Sem Cerrado não há solução climática justa. Essa afirmação não é apenas um alerta ambiental, mas uma constatação urgente diante da invisibilidade que cerca o bioma mais estratégico do Brasil. Em primeiro lugar, é preciso entender que o Cerrado não é apenas uma savana tropical — ele é o coração hídrico do continente, berço das principais bacias hidrográficas da América do Sul e sustentáculo da Amazônia. No entanto, permanece ausente das políticas climáticas, inclusive da COP30, que será sediada em território amazônico. Portanto, este artigo busca escancarar a importância do Cerrado e propor caminhos para sua valorização e preservação.
O desmatamento silencioso e legalizado
O Cerrado sofre com um desmatamento acelerado e, muitas vezes, legalizado por dispositivos permissivos. Entre agosto de 2022 e julho de 2023, o bioma perdeu 7.882 km² de vegetação nativa — índice superior ao da Amazônia no mesmo período. Essa devastação ocorre em áreas próximas a nascentes e comunidades tradicionais, sem consulta pública ou transparência. Projetos de lei como o PL nº 2.159/2021, que institui a autodeclaração no licenciamento ambiental, ampliam essa vulnerabilidade. No entanto, a legalidade não pode ser confundida com legitimidade quando vidas e ecossistemas estão em risco.
A COP30 e o apagamento do Cerrado
Embora a COP30 seja anunciada como a “COP da Amazônia”, o Cerrado permanece fora da agenda oficial. Isso compromete a eficácia das negociações climáticas, pois não é possível proteger a Amazônia ignorando o bioma que a alimenta. Eventos paralelos organizados pela sociedade civil tentam preencher essa lacuna, mas são insuficientes diante da escala da crise. O Brasil desperdiça uma oportunidade histórica de liderar uma agenda ambiental integrada e representativa.
Carbono não é tudo: o erro da visão-túnel
A “carbon tunnel vision” — foco exclusivo no carbono — exclui ecossistemas abertos como o Cerrado dos mecanismos de financiamento climático. Mesmo compromissos multilaterais, como os pledges de Glasgow, ignoram savanas tropicais. No entanto, o Cerrado abriga 5% da biodiversidade global e regula o regime de chuvas de diversos biomas brasileiros. Portanto, soluções baseadas na natureza precisam reconhecer o valor do Cerrado para além do carbono.
Cadeias globais e responsabilidade compartilhada
A União Europeia aprovou o Regulamento sobre Produtos Livres de Desmatamento (EUDR), mas sua definição de floresta exclui o Cerrado. Isso desloca a pressão para áreas menos protegidas, criando zonas de sacrifício legalizado. Segundo o MapBiomas Alerta, mais de 93% do desmatamento no Cerrado em 2024 apresentava indícios de ilegalidade. É preciso alinhar compromissos climáticos e comerciais com justiça socioambiental.
Território de vida, não de sacrifício
O Cerrado é habitado por comunidades indígenas, quilombolas, geraizeiras e camponesas que mantêm o bioma vivo. No entanto, essas populações são excluídas das decisões políticas e frequentemente criminalizadas. A prisão de lideranças como Solange Moreira e Vanderlei Silva exemplifica essa injustiça. Portanto, proteger o Cerrado é também proteger seus povos e modos de vida.
Créditos e referências
Fonte: Le Monde Diplomatique Brasil, Vitor Hugo Moraes e Guilherme Eidt, https://diplomatique.org.br/sem-cerrado-nao-ha-solucao-climatica-justa/, Acesso em 7 de agosto de 2025.